Skip to main content

Crianças surdas conseguem ouvir após tratamento com terapia genética

md1 head

Crianças surdas conseguem ouvir após tratamento com terapia genética

Na China crianças que nasceram surdas recuperam 60% da audição após passarem por um procedimento que adiciona DNA substituto de um gene defeituoso.


Por MIT Technology Review Brasil

Um estudo chinês conseguiu pela primeira vez restaurar a via auditiva de crianças que nasceram surdas, usando terapia genética. Tudo começou em dezembro de 2022 quando iniciaram os primeiros testes clínicos em humanos, mas para chegar nessa fase foram muitos anos desenvolvendo a técnica e testando injeções genéticas em camundongos e porquinhos da índia.

“Fomos cuidadosos e ficamos um pouco nervosos, porque foi o primeiro no mundo”, diz Yilai Shu, cirurgião e cientista da Universidade Fudan, de Xangai, que lidera o experimento. Nos Estados Unidos e na Europa a terapia genética tem tido sucesso em pesquisas como a restauração da visão limitada em pessoas com causas genéticas de cegueira, porém o estudo de Shu é certamente o primeiro avanço de terapia genética na China.

No total 10 crianças foram inscritas nos testes, sendo que cinco já foram tratadas. Os médicos usaram um vírus para adicionar DNA substituto às células do ouvido interno, que captam vibrações, permitindo-lhes transmitir som ao cérebro. Das cinco crianças tratadas, quatro tiveram a audição restaurada, segundo os cientistas, isso não foi possível com o quinto paciente possivelmente devido à imunidade pré-existente ao tipo de vírus usado para transmitir o novo DNA ao corpo.

Segundo Shu, a técnica não deve ajudar todos os surdos, apenas aqueles que nascem com um defeito num gene que produz uma proteína chamada otoferlina. Essa proteína é responsável por fazer com que as células ciliadas existentes no ouvido interno possam transmitir substâncias químicas e consequentemente informações ao cérebro sobre frequências de som. Os defeitos do gene otoferlin são a causa de cerca de 1% a 3% dos casos de surdez congênita.

Basicamente o tratamento desenvolvido por Shu e sua equipe consiste em adicionar uma cópia funcional do gene otoferlin. Devido ao grande tamanho do gene – ele tem cerca de 6.000 letras de ADN – foi preciso dividi-lo em duas partes, cada uma empacotada separadamente em milhões de cópias de um vírus inofensivo. Após, os vírus são cuidadosamente injetados em uma câmara cheia de líquido dentro de uma parte dos ouvidos das crianças chamada cóclea. Uma vez dentro do corpo, diz Shu, as duas seções do DNA se recombinam para formar um gene completo capaz de guiar a produção da proteína otoferlina que falta.

Os resultados ainda não foram publicados, mas foram apresentados para a Sociedade Europeia de Terapia Genética e Celular que fica em Bruxelas, na Bélgica. Os dados apontam que a audição das crianças tratadas passou em média de não ouvir nada abaixo dos 95 decibéis (tão alto como uma moto) para ouvir sons de 50 a 55 decibéis – nível de uma conversa normal. A estimativa é que as crianças tenham atingido entre 60% e 65% da audição normal.

Em entrevista à MIT Technology Review, o CEO da Siren Biotechnology, Nicole Paulk, relatou que a técnica não é amplamente usada clinicamente porque o processo de recombinação pode ser ineficiente. “Dito isto, se os dados que eles descreveram forem verdadeiros, então este é um resultado fantástico”, analisa o especialista. A verificação dos dados por outros cientistas deve confirmar que a equipe chinesa ultrapassou outras três empresas ocidentais de biotecnologia que também ensaiam terapias nessa linha. O trabalho chinês teve investimento de uma pequena empresa de biotecnologia, a Shanghai Refreshgene Therapeutics. Segundo o fundador da empresa, o tratamento da audição faz parte de uma estratégia para desenvolver terapias genéticas a preços razoáveis.

“Ainda não consigo acreditar que funcionou”, diz a mãe da pequena Yiyi de 6 anos, uma das crianças que teve a audição restaurada. Hoje a brincadeira que a menina mais gosta é tentar repetir as palavras pronunciadas pelos pais. A mãe revela que tem sido uma grande adaptação: “agora ela está reclamando que tudo é muito barulhento”, brinca sua mãe.

Este texto é um conteúdo adaptado, publicado originalmente pela MIT Technology Review nos Estados Unidos. Disponível em:
https://www.technologyreview.com/2023/10/27/1082551/gene-treatment-deaf-children-hearing-china/

GileadPro: BR-UNB-0782