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CRISPR abre novos caminhos para tratamentos

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CRISPR abre novos caminhos para tratamentos

Estados Unidos e Reino Unido aprovam primeira terapia de edição genética a ser disponibilizada comercialmente e que beneficia pacientes com anemia falciforme.


Por MIT Technology Review Brasil

Três anos depois de as pesquisadoras Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna terem recebido o Prêmio Nobel de Química pelo desenvolvimento do método CRISPR/Cas9 para edição de genoma, chega o primeiro tratamento disponibilizado comercialmente que utiliza a técnica. A terapia Casgevy foi aprovada em novembro de 2023 pela agência regulatória do Reino Unido e em dezembro de 2023 pelo FDA – agência regulatória dos Estados Unidos.

O tratamento irá beneficiar pessoas com anemia falciforme: doença genética e hereditária que afeta as células sanguíneas. Devido à anormalidade de hemoglobina presente nos glóbulos vermelhos, eles perdem a forma de disco, tomando forma de foice (de onde vem o nome da doença) e dessa forma não conseguem circular nos vasos sanguíneos, bloqueando a circulação do sangue. Como resultado, os pacientes têm intensa dor, maior suscetibilidade às infecções e lesões orgânicas.

O tratamento aprovado no Reino Unido e nos Estados Unidos é o da Vertex Pharmaceuticals em parceria com a CRISPR Therapeutics. Além de usar CRISPR – técnica que é uma espécie de "tesoura genética" para recortes com precisão em locais do DNA – a terapia utilizou vários dados científicos reunidos durante décadas sobre a hipótese de que a hemoglobina fetal pode proteger da anemia falciforme.

Em 1948 nos Estados Unidos, a médica Janet Watson já havia notado que os recém-nascidos não apresentavam os sinais da doença, mesmo sendo uma condição congênita. A médica então levantou a hipótese de que a forma fetal da hemoglobina, ativa no útero, protegia os bebês durante alguns meses após o nascimento, até ser substituída pela versão adulta. De lá para cá os cientistas direcionaram as pesquisas para aprender como funciona a transição da hemoglobina fetal e como reverter esse processo.

“O que eu disse foi: vamos simplificar! Vamos perguntar onde é que a genética humana nos ensina que se nós fizermos a edição, curaremos a doença” disse o ex-diretor científico da CRISPR Therapeutics, Bill Lundberg, que estava à frente da empresa há 8 anos, quando iniciaram as pesquisas para desenvolver o tratamento.

Em entrevista à MIT Technology Review, Daniel Bauer, professor do Hospital Infantil de Boston e da Universidade de Harvard definiu a terapia da seguinte forma: “é um processo de adicionar um erro ortográfico ao gene BCL11A, que é inibidor da produção de hemoglobina fetal em corpos adultos. Assim há menos inibição e mais hemoglobina fetal. Quando você inibe o intensificador, você inibe o inibidor”.

Junta-se a isso o fato de que a anemia falciforme era um alvo atraente para os pesquisadores, já que as células-tronco que produzem os glóbulos vermelhos e brancos podem ser removidas do corpo de uma pessoa e depois recolocadas, no que é conhecido como transplante de medula óssea. Isso evita a necessidade de utilizar tecnologias complexas para administrar o tratamento, pois tudo pode ser feito em laboratório.

É assim que funciona a terapia Casgevy: algumas células-tronco são removidas do sangue do paciente com uma máquina de filtragem, e a proteína cortante CRISPR é adicionada a elas com um choque elétrico para que possa procurar e invadir o gene BCL11A, aquele que controla a produção de hemoglobina fetal. Em seguida, as células editadas são colocadas de volta em um vaso sanguíneo. Elas se multiplicam e começam a produzir hemoglobina fetal.

Os primeiros voluntários deram depoimentos dizendo que estavam muito impressionados com a “cura” proporcionada pelo tratamento, embora seja um processo difícil, considerando que envolve um transplante de medula óssea. Segundo os médicos essa é uma alternativa para os pacientes com os sintomas mais insuportáveis, a estimativa é de que uma em cada 10 pessoas que têm anemia falciforme sejam elegíveis para o tratamento.

Reunir a evolução das pesquisas em um tratamento de edição genética comercial foi um trabalho complexo e caro. De acordo com a Solt DB, empresa que analisa investimentos em biotecnologia, a fabricação, o recrutamento de hospitais e a testagem em cerca de 90 pessoas em ensaio clínico, custou mais de U$ 1 bilhão. É preciso considerar, claro, que o retorno é promissor, se especula que aterapia possa custar entre US$ 2 milhões e US$ 3 milhões.

William Pao, ex-chefe de desenvolvimento de medicamentos da Pfizer, que analisou o medicamento por um ano, defende que o Casgevy “é um grande marco na história e um importante trampolim para o que será possível no futuro”. Neste momento outros dois tratamentos para anemia falciforme que usam edição genética e também tentam aumentar a hemoglobina fetal estão em fase de testes.

Este texto é um conteúdo adaptado, publicado originalmente pela MIT Technology Review nos Estados Unidos. Disponível em
https://www.technologyreview.com/2023/12/07/1084629/lucky-break-crispr-vertex/

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